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Capa BRAVO! 36
Setembro 2000
Ano 3 - Nº 36
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Leia o texto de Daniel Piza sobre Artur Barrio, que mostra sua arte radical em São Paulo.

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Histórias de um país

O filme Cronicamente Inviável fala
sobre histórias brasileiras e sua inviabilidade

 

O novo filme de Sérgio Bianchi Cronicamente Inviável passa por vários Estados brasileiros – Santa Catarina, Rondônia, Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia – para relatar uma boa quantidade de histórias, idéias e discursos, todos colocados juntos na mesma trama.

No elenco estão Betty Goffman, Cecil Thiré, Daniel Dantas e Dan Filip Stulbach, entre outros.

 
Foto Divulgação
Acima, Betty Goffman em cena
 
Para quem vai

São Paulo (clique aqui para lista de endereços)
Espaço Unibanco, às 14h10, 16h e 18h e 20h

Rio de Janeiro (clique aqui para lista de endereços)
Estação Museu da República
, às 19h10

Leia a seguir
nota de Flávia Rocha sobre o filme, publicada na edição nº 32 de BRAVO!, e crítica do diretor do jornal eletrônico Primeira Leitura, Reinaldo Azevedo, exclusiva para BRAVO! On Line.

Crônica de um Brasil Inviável
Discurso onipresente

Sérgio Bianchi tenta mostrar um país sem futuro em Cronicamente Inviável, que estréia neste mês

O título do novo filme de Sérgio Bianchi, Cronicamente Inviável, que estréia neste mês, é bastante apropriado. Há um certo excesso na quantidade de histórias, idéias e discursos colocados lado a lado numa mesma trama. Tudo para tentar provar a inviabilidade social, política e econômica do país. O filme trata, de um mesmo fôlego, de problemas como tráfico de orgãos, venda de crianças, violência policial, acampamento de sem-terras, queimadas na Amazônia etc., etc. A geografia é igualmente variada: passa-se por Santa Catarina, Rondônia, Rio, São Paulo, Bahia. Embora díspares, as teses se amarram de forma interessante no roteiro. Os personagens principais se encontram num sofisticado restaurante em São Paulo. No elenco, estão Cecil Thiré, Betty Gofman, Daniel Dantas e Dan Filip Stulbach, entre outros. Todos muito convincentes na pele de seus personagens, que são em sua maioria desonestos. Em crueldade, segundo o filme, os brasileiros não perdem para ninguém. Cai-se aí em perigosas generalizações... Aliás, todos os personagens usam a mesma linguagem na defesa de suas opiniões, o que faz pensar que o diretor está sempre onipresente, falando por meio da boca deles. 


O falso documentário de nossas verdadeiras aflições

Cronicamente Inviável, de Sérgio Bianchi, retrata um Brasil em que o arranca-rabo de classes se sobrepõe às ilusões integracionistas

Por Reinaldo Azevedo

Cronicamente Inviável, de Sérgio Bianchi, é o filme da década no Brasil. E não vai aqui aquele sestro muito comum na imprensa do "maior isso, maior aquilo". Explica-se a afirmação: nenhuma outra obra conseguiu retratar com tanta crueza e precisão o que tem sido o país desses anos, o país das reformas efeagacianas, das ilusões da miscigenação harmônica, dos festejos – devidamente resguardados pela PM baiana – dos 500 anos de descobrimento. Bianchi cospe na sala de visitas de um Brasil que tem uma Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que indeniza famílias de desaparecidos políticos, mas que não consegue acabar com a tortura a presos comuns ou impedir que menores sejam degolados por seus pares na Febem.

O filme é um falso documentário (segue a estrutura de um, mas é ficção) de flagrantes da realidade brasileira, unidos pela narração em off de um professor universitário (Umberto Magnani) e pela parcela, vamos dizer, burguesa da sociedade, que se reúne num restaurante da moda para destilar seus cinismos e piedades. E esses são dois dos grandes achados de Bianchi.

O tal professor – atenção!, um doutor na USP (em greve) ganha menos que R$ 3 mil mensais – , à luz do dia, escreve livros de crítica social e, na surdina, ganha a vida de uma maneira não muito ortodoxa. Tudo o que ele vê (e o olho do espectador acompanha sua câmera apocalíptica) é cisão, incomunicabilidade, confronto e humilhação do mais fraco. Bianchi – ó suprema transgressão! – parece achar que há, quando menos, uma espécie de arranca-rabo de classes no país, já que falar em luta talvez suponha um corpo teórico que o filme não maneja nem mesmo comporta.

Se o diretor fosse ingênuo, mostraria, como a outra face da moeda, uma elite de endinheirados plutocratas, de insensíveis sórdidos, de anti-heróis da novela das oito. Mas não. Assim como os seus deserdados não são impolutos, seus bem-nascidos têm a nossa cara, falam como nós, pensam como nós, dominam o instrumental teórico e os desencantos que são os nossos. Eles são a fatia que foi (fomos?) confortada pelo Brasil tucano e pós-tucano: lúcida, consciente, crítica, cidadã, um pouco safada e inoperante. Mesmo quando se dedica sinceramente à caridade, é como se quisesse bater a carteira moral do outro para satisfazer a sua cupidez de culpa; é como se quisesse extorquir desse outro a sua face feia, suja e malvada – que lhe garantia ao menos uma identidade – e pôr no lugar algum modelo de pobreza viável, limpinha, escoimada da agressividade. Prestem atenção à personagem da sempre excelente Betty Goffman. Depois, leiam um discurso oficial – qualquer um de FHC serve –  e percebam ali a fala social canibalizada pelo suposto realismo do possível, despotencializada e tornada finalmente peça de extravagância teórica e inoperância prática. FHC, eu e você somos, pois, os canibais bacanas de Cronicamente Inviável. E Bianchi não livra nem a própria cara. Em vários momentos, o filme se distancia da impressão de realidade, da verossimilhança, para se mostrar, ele também, um discurso rodando em falso. Um trecho chega a ser "refilmado" porque "explícito demais"...

"Bem – poderia perguntar o leitor –, não há saídas?" Não na obra de Bianchi ao menos. Talvez bastasse dizer que filmes não foram feitos para consolar ninguém, que, para tanto, já existem as religiões, as ideologias, a TV... Mas não basta, eu sei, para responder à inquietação de quem, até por bons motivos, acha que o otimismo é moralmente superior ao pessimismo. Talvez esse espectador devesse se debruçar sobre a decisão do FED, banco central americano, de aumentar em 0,5 ponto percentual a sua taxa básica de juros e acompanhar os efeitos que tal medida provocou no resto do mundo, inclusive em terras nativas.

E então saberá por que o Brasil, a despeito de tudo o que por aqui também dá certo, é, de fato, cronicamente inviável. Ao menos para aquela fatia que não foi convidada para o convescote. E encerro com uma piada muito comum entre os que conhecem o mercado financeiro. Lá se diz, numa referência às bolsas de valores, com riso às escâncaras, que o mundo se divide entre os “comprados”, os “vendidos” e o povo.

Se Bianchi incomoda, sempre haverá um Bossa Nova para consolar na sala ao lado. Ali, povo não serve nem para figurante.