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Sexta-feira, 5 de maio de 2000

Brasil de Bianchi vive guerra não declarada
'Cronicamente Inviável', que o próprio diretor define como 'ofensivo a todos', estréia hoje
Sergio Castro/AE
Sergio Bianchi admite que quis eliminar os clichês otimistas
LUIZ CARLOS MERTEN

Nos últimos tempos tem sido difícil captar recursos para fazer filmes no País. Nem todas as leis de incentivo têm conseguido facilitar a vida dos artistas. Se o dinheiro anda escasso, o talento, em compensação, anda sobrando. O Brasil participa do Festival de Cannes, na semana que vem, com dois filmes em competição - o longa Estorvo, de Ruy Guerra, e o curta Três Minutos, de Ana Luiza Azevedo. Há muita coisa boa entre os títulos da safra que está chegando este ano aos cinemas - Através da Janela, de Tata Amaral, Cruz e Sousa - O Poeta do Desterro, de Sylvio Back, Amélia, de Ana Carolina.

A essa lista é preciso acrescentar Cronicamente Inviável. O novo petardo de Sérgio Bianchi estoura hoje nas telas da cidade.

Bianchi possui a fama de maldito. É o primeiro a dizer que acredita ter feito de Cronicamente Inviável um filme popular. Distribuidores e exibidores insistem em dizer que se trata de obra para cinéfilos, uma forma de excluir a maioria e tentar reduzir Cronicamente Inviável ao gueto ao qual boa parte do cinema brasileiro atual está condenado. É um belo filme.

Bianchi fez um filme para expressar sua visão do País. "Quis fazer um retrato brasileiro a partir de situações observadas, não de clichês", ele diz. O próprio título, Cronicamente Inviável, encerra um posicionamento crítico diante do que é o Brasil ou o que é ser brasileiro hoje. Bianchi deu essa entrevista pouco antes das comemorações dos 500 Anos do Descobrimento.

Se tivesse dado depois, com base em todos aqueles fiascos, teria mais elementos para somar ao discurso desmistificador.

Como ele diz, fez um filme contra todos. Nenhum grupo pode sentir-se mais ofendido. Bianchi ofende a todos, indistintamente. "Quis eliminar os clichês que estão na moda - esquizofrênicos, otimistas e cínicos." Sabe que se arrisca: "Se você não segue o discurso oficial e fala as coisas como são, é chamado de maldito ou anulado." Diversas vezes já tentaram fazer isso com ele. Mas é mais fácil chamá-lo de maldito do que anulá-lo. Bianchi é um dos diretores mais talentosos do País. Acha babaquice a discussão sobre mercado.

Gosta de um filme como Bossa Nova, de Bruno Barreto, que acha simpático e bem-feito. Mas sabe que essa não é sua praia. Bianchi faz filmes para retratar e, se possível, explicar o Brasil. O público pode até querer ver, mas distribuidores e exibidores insistem que é coisa para poucos.

Rodado em cinco Estados, entre 1997 e 1998, Cronicamente Inviável custou em torno de R$ 2 milhões. Bianchi escreveu um roteiro detalhado (com Gustavo Steinberg), mas sabe que esse não é um filme de roteiro. É, antes, de montagem. O cineasta passou os dois últimos anos trabalhando na sala de edição com Paulo Sacramento, até dar ao filme a cara que queria. Nos seus filmes anteriores, com freqüência ele se interrogou sobre os limites entre documentário e ficção. Nunca foi tão radical.

Cronicamente Inviável é formado por uma série de episódios autônomos. E é um falso documentário, porque nele tudo é encenado. Bianchi trata do tráfico de órgãos, da prostituição masculina, dos crimes ecológicos, da questão da terra e da criminalidade urbana, articulando as denúncias de todas essas mazelas brasileiras para tecer o retrato de um país em guerra não declarada.

A primeira tendência diante do filme, com seu cortejo de misérias morais e humanas, é dizer que nada nem ninguém se salva. Não é verdade. No desespero de Cronicamente Inviável surge uma pálida esperança. O filme termina com uma família de mendigos que acredita no futuro e no progresso. Num certo sentido, é o que há de mais chocante em Cronicamente Inviável - essa esperança que surge justamente dos outsiders, dos desesperados. Bianchi defende-se. Diz que, para ele, a realidade é soberana: "Se, no final, dá uma sensação de cinismo ou ironia, o que posso fazer?"

Usando o falso para falar sobre o verdadeiro, o diretor recorre a um livro chamado Brasil Ilegal. Fala-se muito nele, ou sobre ele, em Cronicamente Inviável, até em falsos programas de TV. O título do livro, as referências à TV e a própria estrutura narrativa por meio de esquetes, tudo isso talvez faça do novo filme de Bianchi o anti-Brasil Legal, em oposição ao programa famoso de Regina Casé. Bianchi diz que não foi essa a intenção. Jura que não agiu movido pelo desejo de provocar.

Acha que fez um filme mais cômico que os outros, mais palatável, por isso se irrita quando dizem que é um filme para cinéfilos. Bianchi gostaria de um grande lançamento, mas cadê dinheiro? "Quando se oferece o filme para o exibidor, ele pergunta logo qual é a mídia para lançamento." Um filme sem verba para mídia ica condenado ao circuito alternativo. O diretor sabe que Cronicamente Inviável é popular e brasileiro. Suas idéias são claras - para ele, o cinema nacional tem obrigação de ser criativo, uma arte de resistência. Em caso contrário, vai virar um arremedo de Hollywood. E isso, para ele, é pior que a morte.






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