São Paulo, terça-feira, 18 de julho de 2000


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NELSON DE SÁ
Tudo é permitido

Se Celso Pitta sobreviveu com tudo contra, até mesmo a Rede Globo, não será Fernando Henrique Cardoso a pagar por um escândalo, mais um. Nem precisava o "Jornal Nacional" programar uma série de manchetes sobre metrô em plena semana de Eduardo Jorge, o EJ.
Por ora, "tudo é permitido", no mote célebre que inspirou o niilismo de um século atrás -ou ainda, acrescentaria hoje o presidente da República, a fracassomania.
Nisso Fernando Henrique Cardoso está certo: a oposição brasileira, vale dizer, as esquerdas, debate-se diante da realidade, sem alternativa. Enquanto isso, se o socialismo não existe, tudo é permitido.
Nas muitas questões que se ergueram em torno do filme "Cronicamente Inviável", de Sérgio Bianchi, atualmente em cartaz, a que mais se fixou foi ser uma obra, para muitos, niilista -que não apresenta alternativa à realidade grotesca que descreve. Um filme descrente de tudo, um filme até mesmo de direita.
O mesmo se observou em torno de uma peça de teatro em cartaz em São Paulo, "Apocalipse 1, 11", de Fernando Bonassi, com direção de Antônio Araújo. Nela, o espelho do país cronicamente inviável traz imagens sequenciais de degradação, também sem proposição alternativa. Também ela foi tachada de direita.
Peça e filme, obviamente, não têm mesmo que discursar e seguir projetos partidários ou ideológicos -a não ser para os mais abertamente patrulheiros. Mas talvez "Cronicamente Inviável" e "Apocalipse 1, 11" façam mais do que meramente retratar a realidade degradante do país.
Uma passagem: em "Apocalipse", depois de atravessar estações de horror, Deus pede para sair de cena e deixa os brasileiros a buscar, eles mesmos, sozinhos, a saída. A alegoria, no caso, é de quem não acredita mais em soluções superiores, de Deus, do Estado ou de um partido.
Nas ações de algumas organizações de oposição, que não podem mais ser confundidas com as legendas de esquerda, é precisamente isso que se percebe: descrença nas soluções que não saiam delas mesmas, de suas intervenções diretas.
Daí, possivelmente, a queda recém-divulgada no apoio à democracia representativa no Brasil, com seus escândalos sem fim. Daí, certamente, os líderes do movimento dos sem-terra passarem a declarar que a alternativa partidária, vale dizer, o PT, não se mostrou viável.
Daí, sobretudo, os inusitados encontros de agrupamentos à primeira vista inconciliáveis. Por exemplo, a Parada do Orgulho Gay, Lésbico, Bissexual e Transgênero, três semanas atrás, em São Paulo: entre os 100 mil manifestantes estavam entidades diversas, até partidos, num primeiro passo, incipiente, de reunião.
Um pouco antes e lá estavam os índios da Bahia, encabeçando manifestações em Porto Seguro contra os 500 anos do Descobrimento -e levando presidente e corte a um de seus momentos de maior constrangimento no mandato.
Pode parecer pouco, quase nada, mas foi assim que se ergueu, à margem, a manifestação de Seattle, seis meses atrás, para abalar a Organização Mundial do Comércio.


Nelson de Sá é editor da Ilustrada.


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