São Paulo, sexta-feira, 05 de maio de 2000
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CINEMA "CRONICAMENTE INVIÁVEL"

Filme retrata país fraturado e insano

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Se existe um cinema da crueldade -entendido como cinema que investiga a crueldade, não como um cinema cruel-, Sérgio Bianchi pode ser considerado um de seus mais legítimos representantes.
Em "Cronicamente Inviável", essa investigação -já evidente em seu longa anterior, "A Causa Secreta"- ganha um caráter sistemático e abrangente. Trata-se, aqui, de identificar e expor os mecanismos de opressão e alienação que unem os habitantes de um país num abraço de morte.
O Brasil que aparece em "Cronicamente Inviável", a partir do entrechoque de personagens das mais variadas origens regionais, étnicas e sociais, é um país fraturado e insano, em tudo distante do idílio da miscigenação harmônica que vimos nas comemorações dos 500 anos.
Por meio de breves situações dramáticas -quase esquetes- habilmente amarradas e do insolente discurso em "off" do personagem do escritor-pesquisador (Umberto Magnani), o filme desmonta uma a uma as visões ideológicas dominantes no país.
A ideologia da "felicidade compulsória", consagrada nas bundas e trios elétricos do Carnaval baiano, literalmente deságua num fio de urina que desce pela sarjeta até banhar um menino de rua dormindo ao relento.
A ideologia do trabalho eficiente e civilizador resulta numa agência de empregos que fornece índios para trabalhar de figurantes em comerciais.
A ideologia da caridade produz uma guerra de crianças miseráveis por brinquedos doados por uma burguesa cheia de culpa.
Imagens enfáticas, estridentes, mas nunca gratuitas ou inverossímeis. É o país que é estridente, gratuito, inverossímil.
Bianchi radiografa com lucidez implacável a cadeia de espoliação do mais fraco pelo mais forte. Os últimos elos dessa cadeia infernal são os índios, que não têm ninguém para oprimir, e a natureza, que não tem como se defender da devastação.
O filme comprova a evolução do cineasta como narrador e como diretor de atores. Todas as histórias se "amarram" num restaurante em São Paulo, e a narrativa joga, no limite da metalinguagem, com a construção do passado de cada personagem.
Se subsiste ainda uma certa irregularidade de tom e de acabamento entre as várias partes, isso é sobejamente compensado pela força e pela integridade do conjunto. O final sublime e terrível realça a condição essencialmente moral do cinema insolente e malcriado de Sérgio Bianchi.


Avaliação:     

Filme: Cronicamente Inviável
Diretor: Sérgio Bianchi
Produção: Brasil, 2000
Com: Umberto Magnani, Cecil Thiré, Betty Gofman, Daniel Dantas, Dira Paes Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco 2 e Sala UOL


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