São Paulo, sexta-feira, 05 de maio de 2000
 

CINEMA "CRONICAMENTE INVIÁVEL"


Bianchi ridiculariza realidade brasileira

Lúcia Nagib

Erra quem diz que o cinema de Sérgio Bianchi é uma metralhadora giratória. Seus filmes, e sobretudo "Cronicamente Inviável", têm um alvo certo: o espectador. "Não adianta mostrar a realidade para as pessoas que elas entendem tudo como ficção": esta frase de "Cronicamente Inviável" sugere que mostrar não basta, é preciso agredir, sacudir o espectador em sua poltrona, levá-lo à ação. Mas qual? Bianchi responde, não com uma história, mas com um cinema de situações. Com algumas delas o espectador certamente irá se identificar, pois o olho documentarista do diretor percorre o Brasil do Paraná a Rondônia. Seu alter ego no filme é um escritor sempre suando no calor brasileiro e irritado com a feiúra de seus objetos de estudo. E o cenário central é um restaurante, atrás de cuja fachada burguesa se realiza o tráfico de crianças. A sensação incômoda logo se instala, pois o espectador não encontra conforto em nenhuma das vítimas da estrutura opressiva brasileira. A doméstica humilhada pelo patrão, por exemplo, namora o ladrão que a espanca. A incrível precisão verbal dos diálogos é outra armadilha para o espectador, pois, ao brincar com nossas expressões idiomáticas mais corriqueiras, denuncia a corrupção entranhada numa língua de "trambiques". Até mesmo o orgulho brasileiro e uma de suas principais válvulas de escape, o perene carnaval baiano, sai ridicularizado. Evidentemente, as vítimas existem e exibem toda sua dimensão trágica: os índios enganados, os moradores de rua, os mendigos e, mais que tudo, os milhares de quilômetros de florestas transformados em cinza. Se o espectador frequentemente ri da crueza das situações, logo se cala, pois sabe que está rindo de si. Mas pode ser que, ao final, já não seja o mesmo brasileiro ou o mesmo ser humano _e então Bianchi terá atingido seu objetivo.


Avaliação:     

Filme: Cronicamente Inviável
Diretor: Sérgio Bianchi
Produção: Brasil, 2000
Com: Umberto Magnani, Cecil Thiré, Betty Gofman, Daniel Dantas, Dira Paes Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco 2 e Sala UOL


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