Radiografia crítica do País conquista
jovens
Recomendado pelas escolas,
'Cronicamente Inviável' atrai cada vez mais estudantes
Divulgação
'Cronicamente Inviável',
um retrato incômodo de brasileiros de Norte a Sul | |
| BETH NÉSPOLI
Desde a estréia de seu primeiro longa-metragem, Maldita Coincidência,
em 1980, o cineasta paranaense Sérgio Bianchi luta contra o rótulo de
maldito, contra a pecha de artista talentoso e rebelde, autor de filmes
viscerais, inteligentes, críticos e corrosivos, porém fadados - por sua
contundência - à conquista de um público restrito de intelectuais e
cinéfilos. "Minha arte é popular", insiste Bianchi.
A ótima recepção de Cronicamente Inviável, seu mais recente longa,
parece confirmar o que diz o cineasta. Ele sempre culpou a censura
econômica pelas curtas temporadas, no circuito de exibição, de filmes como
Mato Eles?, premiado nos festivais de Gramado e Brasília em 1982, Divina
Previdência, também premiado em Gramado, Causa Secreta e Romance.
Com Cronicamente Inviável a situação não é muito diferente. O filme
tem apenas cinco cópias no mercado e está em cartaz no Espaço Unibanco e
no Cine Arte Lilian Lemmertz, em São Paulo, e no Estação Botafogo, no Rio.
Mas, mesmo sem um grande lançamento publicitário, vem alcançando um número
inesperado de espectadores - 7.205 em 19 dias no Espaço Unibanco -
atraídos quase que exclusivamente pelo boca-a-boca.
`Pilantropia' - Nas sessões das 20 e das 22 horas de
terça-feira, na sala 2 do Espaço Unibanco, o grande número de adolescentes
surpreendia. Entre eles estavam as irmãs Ana Júlia e Beatriz, acompanhadas
da mãe, Lígia Andrade de Carvalho. "Os professores do cursinho Etapa
recomendaram o filme e eu vim trazê-las", diz Lígia ao Estado, na saída da
sessão das 20 horas. Ela trabalha no Centro de Estudos do Terceiro Setor
(Cets) da Fundação Getúlio Vargas, onde o filme também foi tema de
discussão.
Integram o chamado terceiro setor as organizações não-governamentais
(Ongs) e outras entidades da sociedade civil voltadas para as questões da
cidadania. "Nossa preocupação no Cets é com a transparência dessas
organizações", afirma Lígia. "Hoje, a caridade está na moda e o filme
trata muito bem da chamada `pilantropia'", completa. "Nunca vi um filme
que mostrasse tão bem o que é o Brasil", diz, com entusiasmo, Beatriz. "É
tudo muito real e verdadeiro", acredita Ana Júlia.
Colegas de turma no Colégio Equipe, Natália Mendes, de 16 anos,
Juliana Scharff, de 15, e Leila Albuquerque, de 14, convidaram Fernando
Ziskind, de 15, para acompanhá-las ao cinema. "Elas tinham ouvido
recomendação dos professores de algumas amigas, mas eu não tinha a mínima
idéia do que seria o filme e gostei muito", diz Ziskind. "Há momentos em
que o cineasta exagera, mas de propósito; é um exagero irônico, uma forma
de mostrar melhor a realidade", argumenta. "O filme incomoda, eu saí meio
abalada, mas é muito bom", diz Natália. "Já recomendei agora, pelo
celular, à minha mãe", afirma Leila. Ziskind fez questão de protestar
contra a classificação do filme - 18 anos -, que exige a companhia de um
adulto. "Não há nada no filme que justifique essa censura."
A curta-metragista Andréa Pasquini foi ao cinema atraída pelos
trabalhos anteriores de Bianchi, como Causa Secreta. "Pode não ser um
filme perfeito do ponto de vista de fotografia ou da câmera", opina
Andréa. "Mas, mais que ir atrás do produto bem-acabado, o cineasta precisa
parar para pensar o seu país, o seu tempo." Ele credita ao olhar crítico
que o diretor dirige ao País o motivo da atração que o filme vem exercendo
entre os adolescentes. "O filme do Bianchi chacoalha."
A atriz Miriam Mehler foi surpreendida pelo Estado saindo da sessão
das 22 horas. "É uma radiografia não só do Brasil, mas acho que do ser
humano, do que ele é capaz de fazer; não somos nada cordiais", comenta
Miriam. "A gente leva uma espécie de pancada, o Bianchi não dourou a
pílula e por isso fez um filme importante, que eu recomendo."
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