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Bianchi eterniza o Brasil aos 500 em “Cronicamente
Inviável”
DANIEL CASTRO 05/05/2000 10h18
da Folha de S.Paulo
“Cronicamente Inviável”, que
estréia nesta sexta-feira (5) em São Paulo e em Curitiba, não poderia ser
lançado numa época mais apropriada (para o filme). O quarto longa-metragem
do paranaense Sérgio Bianchi, 54, é um fiel registro das relações entre
classes sociais do Brasil aos 500 anos.
Em uma das cenas iniciais,
um índio é brutalmente espancado pela polícia. Sem querer, porque foi
filmada há três anos, é uma imagem muito parecida com as que o país
exportou ao mundo durante as comemorações do quinto centenário do
Descobrimento, em Porto Seguro (BA).
Como as obras anteriores de
Bianchi, é um filme ousado (talvez o mais atrevido entre os nacionais dos
últimos cinco anos), com crítica social, contundente. É feito para um
público restrito, mas também é divertido.
Apresenta defeitos (como
uma cena que se passa nos anos 60 e que mostra um barraco de favela com
uma antena de TV, artigo então exclusivo dos mais ricos), que são
superados pelo roteiro, elenco, montagem e som.
“Cronicamente
Inviável” costura histórias paralelas com a do professor e escritor
Alfredo (Umberto Magnani), que registra em um gravador seus pensamentos
sociológicos e frases de efeito.
Alfredo viaja pelo Brasil (Bahia,
Rio e Rondônia), “protagoniza” o lado documentário do filme -a denúncia da
opressão pelo Carnaval, a devastação das florestas, a impunidade.
Descobre-se, no final, que ele é o “avião” de uma rede de tráfico
de órgãos humanos, que suas pesquisas são pagas pelo crime, porque
“escrever livros não enche o bolso de ninguém”.
Há o casal
bem-nascido do Rio de Janeiro, Maria Alice (Betty Gofman) e Carlos (Daniel
Dantas), quase um clichê de uma elite arrogante, que dá esmola para
aliviar o sentimento de culpa _em um dos melhores momentos do filme, Maria
Alice leva brinquedos para crianças de rua; essas crianças são roubadas
por outras crianças, então ela dispara: “O Estado tem de fazer o seu
papel, tem de dar crack para as crianças de rua. Já que elas vão morrer de
frio, umidade, coceira, que seja com felicidade, entorpecidas”.
Maria Alice e Carlos se encontram em São Paulo no restaurante de
Luís (Cécil Thiré), que explora sexualmente seus funcionários.
No
restaurante trabalham o garçom Adam (Dan Sthulbach) _paranaense levado à
condição de “nordestino de olhos azuis”, que prega o terror como forma de
insurreição_ e a gerente Amanda (Dira Paes), mestiça de “índios, negros,
brancos e derivados” metida a fina, que humilha seus subordinados,
trambiqueira envolvida no tráfico de órgãos e no comércio de bebês.
O filme permite a conclusão de que a miscigenação racial torna a
unidade nacional inviável, mas não é só isso que justifica o título.
Cronicamente inviável, segundo Sérgio Bianchi, é o cinema nacional, mais
do que o país.
O diretor de “Romance” (88) levou quatro anos para
fazer “Cronicamente Inviável” (que já teve outros dois nomes, “Discussões
Vagabundas” e “Eu Não Tenho Culpa”).
Por falta de dinheiro, teve
de parar as filmagens três vezes e mudar o roteiro outras tantas.
Seis cópias
O filme custou R$ 1,5 milhão, metade do
orçamento médio atual dos longas-metragens nacionais. Tem apenas R$ 100
mil para divulgação e seis cópias. Vai ser exibido em cinemas
alternativos, como o Unibanco, em São Paulo, que Bianchi chama de “desova”
_onde entram em cartaz os filmes não aceitos pelas distribuidoras
estrangeiras.
O problema crônico do cinema nacional, hoje
comandado por “radicais de esquerda que viraram liberais esquizofrênicos”,
não é produzir, mas exibir, diz Bianchi. “Eu não faço um cinema popular,
mas teria dez vezes mais espectadores se não houvesse esse muro (a não
aceitação pelos circuitos comerciais)”, afirma.
“A elite acha o
meu filme muito fechado. Fiz um filme que gera diferentes formas de ver,
que tem humor. Vejo um cotidiano popular muito cruel, e a gente teve a
preocupação de não dar esperança, de não dar razão a ninguém.”
Rio e BH
O filme estréia na semana que vem no Rio e
em Belo Horizonte. Está programada também uma retrospectiva de Bianchi,
com os longas “Romance”, “Maldita Coincidência” (1979) e “A Causa Secreta”
(1994) e o documentário “Mato Eles?” (1982), ainda sem data e local em São
Paulo.
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