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NELSON DE SÁ Tudo é permitido
Se Celso Pitta sobreviveu com tudo contra, até mesmo a Rede Globo, não
será Fernando Henrique Cardoso a pagar por um escândalo, mais um. Nem
precisava o "Jornal Nacional" programar uma série de manchetes sobre metrô
em plena semana de Eduardo Jorge, o EJ. Por ora, "tudo é permitido", no
mote célebre que inspirou o niilismo de um século atrás -ou ainda,
acrescentaria hoje o presidente da República, a fracassomania. Nisso
Fernando Henrique Cardoso está certo: a oposição brasileira, vale dizer,
as esquerdas, debate-se diante da realidade, sem alternativa. Enquanto
isso, se o socialismo não existe, tudo é permitido. Nas muitas questões
que se ergueram em torno do filme "Cronicamente Inviável", de Sérgio
Bianchi, atualmente em cartaz, a que mais se fixou foi ser uma obra, para
muitos, niilista -que não apresenta alternativa à realidade grotesca que
descreve. Um filme descrente de tudo, um filme até mesmo de direita. O
mesmo se observou em torno de uma peça de teatro em cartaz em São Paulo,
"Apocalipse 1, 11", de Fernando Bonassi, com direção de Antônio Araújo.
Nela, o espelho do país cronicamente inviável traz imagens sequenciais de
degradação, também sem proposição alternativa. Também ela foi tachada de
direita. Peça e filme, obviamente, não têm mesmo que discursar e seguir
projetos partidários ou ideológicos -a não ser para os mais abertamente
patrulheiros. Mas talvez "Cronicamente Inviável" e "Apocalipse 1, 11"
façam mais do que meramente retratar a realidade degradante do
país. Uma passagem: em "Apocalipse", depois de atravessar estações de
horror, Deus pede para sair de cena e deixa os brasileiros a buscar, eles
mesmos, sozinhos, a saída. A alegoria, no caso, é de quem não acredita
mais em soluções superiores, de Deus, do Estado ou de um partido. Nas
ações de algumas organizações de oposição, que não podem mais ser
confundidas com as legendas de esquerda, é precisamente isso que se
percebe: descrença nas soluções que não saiam delas mesmas, de suas
intervenções diretas. Daí, possivelmente, a queda recém-divulgada no
apoio à democracia representativa no Brasil, com seus escândalos sem fim.
Daí, certamente, os líderes do movimento dos sem-terra passarem a declarar
que a alternativa partidária, vale dizer, o PT, não se mostrou
viável. Daí, sobretudo, os inusitados encontros de agrupamentos à
primeira vista inconciliáveis. Por exemplo, a Parada do Orgulho Gay,
Lésbico, Bissexual e Transgênero, três semanas atrás, em São Paulo: entre
os 100 mil manifestantes estavam entidades diversas, até partidos, num
primeiro passo, incipiente, de reunião. Um pouco antes e lá estavam os
índios da Bahia, encabeçando manifestações em Porto Seguro contra os 500
anos do Descobrimento -e levando presidente e corte a um de seus momentos
de maior constrangimento no mandato. Pode parecer pouco, quase nada,
mas foi assim que se ergueu, à margem, a manifestação de Seattle, seis
meses atrás, para abalar a Organização Mundial do Comércio.
Nelson de Sá é editor da Ilustrada.
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