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OTAVIO FRIAS
FILHO
Hiroshima brasileira
O jornalista Roberto Muylaert, responsável por gestões profícuas à frente
da Bienal de São Paulo e da TV Cultura, acaba de lançar uma biografia
do goleiro Barbosa, um dos maiores que já houve, tristemente celebrizado,
porém, pelo gol que deu a vitória ao Uruguai naquela "fatídica" tarde
de 16 de julho de 1950.
A oportunidade do lançamento é óbvia Barbosa morreu no mês passado, o
cinquentenário do jogo será em julho. Não sendo o primeiro livro sobre
aquele trágico evento, que Nelson Rodrigues, sempre hiperbólico, chamou
de "nossa Hiroshima", o trabalho de Muylaert interessa e comove ao adotar
o ângulo da vítima-vilão.
Somos lembrados do clima de "já ganhou" na reconstituição de cada detalhe
agourento: o atropelo de homenagens que impediu os jogadores de almoçar,
o acidente de trânsito que envolveu o ônibus da seleção na entrada do
Maracanã, a bandeira hasteada de cabeça para baixo, o discurso em que
o prefeito do Rio exigia a vitória.
"Barbosa" sumariza o ambiente da época, mas sua ênfase é pessoal: o autor
foi um dos 200 mil que assistiram à célebre partida, o miolo do livro
é fruto de longas entrevistas com o goleiro. Em 1963, Barbosa foi presenteado
com as traves do gol, que queimou num churrasco com amigos, sem exorcizar
seu pesadelo íntimo.
O livro traz um anexo fotográfico, onde consta até uma radiografia das
mãos do arqueiro, a calcificação das fraturas visível nos dedos, além
da narração do gol "fatídico", aos 34 do segundo tempo, pelo locutor da
rádio Nacional: "Gol! Gol do Uruguai! Ghiggia! Segundo gol do Uruguai.
Dois a um, ganha o Uruguai".
É justo que as nações cultivem seus mitos, e no país do futebol a derrota
de 50 é um dos mais presentes na imaginação coletiva. Derrota terrível,
que converteu a enorme expectativa de uma vitória dada como certa em humilhação
acachapante, tornada ainda mais cruel pelo desdém com que fora tratada
a pretensão da "celeste".
1950 foi, como dizem os antropólogos, um rito de passagem. Por amargo
que tenha sido ver a Copa do Mundo, pela primeira vez tão ao alcance das
mãos, escapulir na undécima hora, a derrota conferiu um atestado de maturidade
ao futebol brasileiro e à atitude espiritual do torcedor, que nunca mais
seriam os mesmos.
Aprendemos a não subestimar o adversário e ficaremos
a repetir, para o resto dos tempos, que "futebol é uma caixinha de surpresas".
Como o próprio autor observa em seu livro, o aprendizado doloroso de 50
foi o que deu fundamento à humildade, ao brio e ao afinco da preparação
técnica da equipe vitoriosa em 58 e em 70.
Gostamos de ver, no futebol, a expressão peculiar da cultura brasileira.
Com todas as ressalvas a esse costume, talvez não seja absurdo considerar
nossas mazelas enquanto país sinistramente retratadas no recém-lançado
filme "Cronicamente Inviável", de Sergio Bianchi- como um longo,
tenebroso, mas superável 1950.
"Barbosa Um Gol Faz Cinquenta Anos", de Roberto Muylaert,
RMC Editora, 221 págs
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
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