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Filme reacende debate de arte e política
23/06/2000 08h43
da Folha de S.Paulo em São
Paulo
Pela natureza do público que vem atraindo, pela
repercussão crítica e pelas discussões que tem provocado,
"Cronicamente Inviável" já comprovou a sua relevância cultural. Em
algumas sessões, ele é aplaudido no final. Nos dois debates feitos
em São Paulo, um na USP, durante a greve dos professores, e o de
segunda-feira, na PUC, as discussões foram acaloradas e
inteligentes.
"Sérgio Bianchi fez um dos melhores filmes da
década", diz Carlos Augusto Calil, professor de cinema da ECA. "Ele
é um ataque frontal e eficaz contra o Brasil imaginado por um Darcy
Ribeiro ou um Gilberto Freyre."
Para Calil, "Cronicamente
Inviável' foi lançado num momento propício: aquele em que a
incompetência nacional, um dos temas do filme, estava mais em
evidência.
"Dias depois de o filme estrear, o mundo todo pôde
ver na televisão a polícia baiana batendo nos índios durante a festa
do Descobrimento", diz o ex-presidente da Embrafilme, que já viu o
filme duas vezes. "Essa assombrosa demonstração da incompetência do
governo parecia ecoar uma sequência do "Cronicamente" em que, sem
motivo aparente, um índio é espancado por policiais."
A data
de lançamento foi produto de um acaso histórico. O filme, fruto de
uma idéia de Bianchi e de sua amiga Bia Bracher, uma das donas da
editora 34, era para ter ficado pronto em 1996. Bianchi atrasou
quase cinco anos porque o dinheiro acabou, ele rompeu com a primeira
produtora do filme, se endividou e quase faliu.
As filmagens
foram interrompidas três vezes. No total, o filme custou R$ 1,5
milhão, um orçamento barato mesmo para os padrões brasileiros.
Durante todo esse tempo, o roteiro foi sendo reescrito e adaptado às
circunstâncias da produção, sempre conturbada. Com o copião pronto,
o sentido de algumas sequências foi alterado durante a
montagem.
Essa longa maturação pode ter beneficiado Bianchi,
que contou com a colaboração decisiva de dois jovens inventivos nas
duas pontas vitais da produção do filme: o roteirista Gustavo
Steinberg e o montador Paulo Sacramento.
"Talvez uma das
maiores influências da minha contribuição no roteiro venha de
Foucault, que mostra que o mal está em todas as partes, em
microesferas específicas de poder, com discursos próprios", diz
Gustavo Steinberg, 26, autor do romance "Prazeres da
Solidão".
Bianchi e Steinberg formam uma dupla improvável. O
cineasta tem um temperamento anárquico, é intuitivo e não reconhece
influências no seu trabalho, tanto que não consegue dizer o nome de
um cineasta que admira.
Depois de parar para pensar, concede
que gosta do escritor argentino Julio Cortázar e do dramaturgo
alemão Bertolt Brecht.
Já Steinberg tem formação erudita e
teoriza com fluidez. No momento, ele está completando sua tese na
PUC sobre Internet e política. Com muita organização e clareza, ele
deu forma dramática a algumas das idéias e intuições do
diretor.
"O Paulo Sacramento tem um talento enorme", diz
Sérgio Bianchi. "Ele vai ser um grande cineasta." Como "Cronicamente
Inviável" é um filme que contrapõe cenas que criam sentidos novos e
inesperados, o trabalho de Sacramento foi decisivo. Talvez possa ser
comparado à montagem feita por Lauro Escorel em "Terra em Transe",
de Glauber Rocha.
"Cronicamente Inviável é o anti-Central do
Brasil", diz o ensaísta Ismail Xavier, 53, também ele professor da
ECA. Enquanto o filme de Walter Salles é otimista, mostra um país
integrado e admite a redenção, raciocina Xavier, o de Bianchi é
pessimista, sujo e não apresenta soluções.
No debate na USP,
discutiu-se se o filme era de esquerda, por escarafunchar as mazelas
nacionais, ou de direita, por nelas se comprazer gostosamente, com
bom humor.
Para o crítico literário Roberto Schwarz, que
assistiu ao filme quatro vezes e participou do debate, a questão
colocada por "Cronicamente Inviável" é outra. "O tema do filme é
a desigualdade social, na medida em que tudo o que acontece na
narrativa é decorrência dela", diz ele. "A desigualdade social é
apresentada como uma realidade abjeta, que degrada e distorce
mentalmente tanto os de cima como os de baixo."
Os ricos do
filme são pessoas de um cinismo abjeto, de uma crueldade absurda. Os
pobres, por sua vez, se conformam de maneira abjeta com a exploração
ou então se revoltam estupidamente contra ela.
"O filme
certamente não é de direita, não trata a miséria como um mundo cão,
um programa de auditório fascistóide", afirma Schwarz. "Ao
contrário, ele apresenta a desigualdade social como intolerável e,
como diz o título, inviável."
Para Carlos Augusto Calil,
"Cronicamente" não é de direita nem de esquerda. "O filme expressa
uma indignação moral, ele é pré-político", diz.
(Mario
Sergio Conti)
O quê: Filme "Cronicamente
Inviável" Diretor: Sérgio Bianchi Produção:
Brasil, 2000 Com: Umberto Magnani, Cecil Thiré, Betty
Gofman, Daniel Dantas, Dira Paes Onde: Espaço Unibanco de
Cinema, sala 3 (r. Augusta, 1.470, centro de São
Paulo) Horário: desde 16h. Sábados: 16h, 18h e
20h Quanto: R$ 9 (seg. a qui.: R$ 6)
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