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Ponto de
fuga
Cronicamente inviável
Jorge Coli especial para a Folha
Leveza talvez seja aquilo que caracterize melhor o filme de Sérgio
Bianchi. Trata de coisas terríveis, de maneira tão implacável, que não
sobra lugar para recuos e desculpas. Tudo, porém, com um tom elegante, um
sorriso amável, um humor que não descamba para a irrisão fácil. É a sua
arma mais poderosa. Ela o impede de cair no sentimentalismo, no drama
comovente, no álibi da indignação. Num certo sentido, "Cronicamente
Inviável" é a antítese de "Central do Brasil" e a sua denúncia. Não foi
feito para nos deixar, a nós e aos gringos, tão comovidos com as relações
humanas profundas dos desfavorecidos, em cenários de exotismo lindo. Não
foi feito para ganhar prêmios, embora os mereça amplamente. Desdenha essa
detestável bela fotografia, que o cinema brasileiro tem ido cada vez mais
buscar na publicidade. Bianchi filma de modo preciso. Dirige os atores,
inoculando neles a convicção necessária que se transmite, sem hiato, ao
espectador. Sua narração descontínua não é perturbadora, já que cada
episódio tem um interesse muito forte em si próprio. Destroça nossos
melhores mitos coletivos, impedindo o conforto ou a saída. Não é fácil
falar desse filme, muito engraçado, mas tão cheio de intuições e de
inteligência que qualquer análise banalizaria. É preciso ir vê-lo. Está
além de qualquer defeito que algum purista ingênuo possa detectar. Com a
divulgação que merece e que não tem tornar-se-ia facilmente um sucesso
popular: pode ser degustado de maneiras diversas e complementares, onde
cada espectador encontra sua parte.
Étoiles - O último
"Cahiers du Cinéma" traz um "dicionário subjetivo" de cem atores
americanos da última década. Pode-se clamar pela injustiça de certas
ausências: Brandon Fraser, por exemplo, com seu tipo único de herói
cômico, ou Sigourney Weaver, a maior das maiores. Mas as análises são
ótimas, contendo frases como: Matthew Broderick, "um dos raros atores
americanos que deixaram a questão do sexo sem afastar a do corpo"; Nicolas
Cage, "um corpo construído sobre uma fratura, uma fricção de movimentos
contrários, em que a velocidade contém seu próprio esgotamento"; "Cameron
Diaz se diverte com a crueldade de procurar, incansável, o ponto de
ruptura entre sedução e ridículo"; Tom Hanks, "a América tem os James
Stewart que merece"; Bill Murray, "o maior (vide todos os seus filmes)";
Keanu Reeves, "o mais asiático dos atores americanos"; Gene Hackman, "o
mais francês dos atores americanos"; De Niro, "ele sabe que agora tudo é
só lucro, porque o essencial já foi feito"; "seus pés parecem nunca tocar
o chão. Kevin Spacey é um Gene Kelly desarmado"; Julia Roberts,
"francamente, somos muitos, aqui, nos "Cahiers", a correr para o cinema
quando sai um de seus filmes e faz dez anos que isso dura". Enfim: "Não
nos enganemos: Leonardo Di Caprio é um grande ator".
Cinema
- Deve ser alguma perversão gostar de "Morcegos". É o que hoje mais se
aproxima dos filmes B vistos nas matinês de outrora. Para encher linguiça,
numa trama magra, o diretor Louis Morneau introduz quatro sequências em
que se mostram preparativos para os ataques. Redes estendidas, cabos
puxados, cordas estiradas, e assim por diante. Mas não importa: é um
cinema feito com a energia iluminada de um Ed Wood. Ela permite criar um
estado curiosamente onírico, em que as situações fabricadas com as imagens
vão adiante do que contam, sinalizando passagens que não se esperam, em
direção de algum abismo mais misterioso.
O Dia da Caça -
Polícia e traficantes trocam diálogos cheios de angústia existencial e
sentenciosa. Assassinatos são cometidos ao som do "Réquiem" de Mozart. Os
atores parecem colegiais tentando representar "Huis Clos". Diante desse
tenebroso policial-cabeça só há uma solução: fuga rápida.
Jorge Coli é historiador da arte. E-mail:coli20@hotmail.com
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