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"Cronicamente Inviável", de Sérgio Bianchi,
revoluciona o cinema nacional 23/06/2000 08h37
MARIO SERGIO CONTI da Folha de
S.Paulo
Na noite de segunda-feira passada, num auditório do
terceiro andar da PUC de São Paulo, o cineasta Sérgio Bianchi
defendeu o terrorismo como forma de ação política. "No Brasil, onde
existe há centenas de anos uma exploração brutal, uma violência
extraordinária, é preciso se indignar, é preciso se revoltar", disse
ele. "O terrorismo é uma alternativa, temos de atacar aqueles que
ferram o país." Ele falava a sério ou fazia uma provocação? Os olhos
dos cerca de 200 estudantes estavam cravados em Sérgio
Bianchi.
O cineasta não parece um terrorista. Mas é um tanto
aterrorizante. Tem 55 anos, mede dois metros, pesa 103 quilos.
Descendente de italianos e suíços, ele tem o porte de e é branco
como uma geladeira. Seus olhos são grandes, vítreos, arregalados.
Seus cabelos, desgrenhados, estão em transição do loiro para o
grisalho. Seu bigodão lembra o de Stálin. Ele fala alto e enfatiza
os argumentos agitando as mãos enormes de lá para cá, de cá para lá,
e às vezes as aproxima demais do rosto do interlocutor.
Desde
1968, quando trocou o Paraná por São Paulo, Bianchi é tido nos meios
culturais da cidade como um provocador. Um encrenqueiro. Um
panfletário sem causa. Um diretor de filmes que poucos viram e
pouquíssimos gostaram. Um autor maldito. Uma criatura dos
subterrâneos da cinematografia marginal e do circuito gay
barra-pesada.
Bianchi continua onde sempre esteve: à margem.
Mas o seu último filme, "Cronicamente Inviável", colocou-o no centro
do debate artístico. E recolocou o cinema no panorama cultural
brasileiro, de onde ele estava ausente desde a estréia de "Central
do Brasil".
Lançado com pouca divulgação, para ficar no
máximo duas semanas em cartaz, o filme já ultrapassou a barreira dos
dois meses. Com apenas cinco cópias (duas em São Paulo, duas no Rio
e uma em Curitiba), "Cronicamente Inviável" foi assistido por mais
de 40 mil pessoas, a maioria delas jovens e sem o costume de ver
filmes nacionais.
O sucesso do filme de Bianchi fez entrar
areia nas engrenagens sucateadas do sistema cinematográfico
brasileiro. O cinema nacional, relembre-se, foi espremido num gueto
de duplo endereço: o Espaço Unibanco, na rua Augusta, em São Paulo,
e o de Botafogo, no Rio. Apenas os filmes dos Trapalhões, de Xuxa e,
às vezes, alguma outra produção para o público infantil conseguem
ser exibidos fora dessas salas e das suas equivalentes nas grandes
cidades brasileiras.
"Cronicamente Inviável" demonstrou ter
potencial para extrapolar os limites do gueto. Todos os dias,
Bianchi pressiona a distribuidora, a Riofilme. Pede mais cópias,
quer que o filme seja exibido em outros cinemas. Não conseguiu nada.
"O meu filme, que tem vocação para ser visto por um público dez
vezes maior, está sendo impedido pela distribuidora de chegar ao tão
decantado mercado", diz o diretor. "O "Cronicamente" atrapalhou os
esquemas habituais de essa gente ganhar dinheiro, eles só lucram com
o erro e o fracasso."
O sucesso deixou o diretor um pouco
atordoado. Não que ele tenha sido engolido ou, muito menos, se
vendido. Ou que seu filme tenha dado o salto qualitativo da condição
de força produtiva estética para a de mercadoria barata de consumo
acrítico. Mas, depois de tantos anos resignado ao perfil de maldito,
ele tem dificuldade em lidar com elogios e aplausos e os encara com
uma ponta de desconfiança.
Contribui para o seu atordoamento
a indefinição de qual filme fará agora. Pensou em escrever um
roteiro de uma história na qual tudo dá certo. "Como se Deus
descesse à Terra e resolvesse todos os problemas sociais e
individuais", diz. Também cogita fazer um filme sobre o órgão sexual
masculino. "São idéias que podem redundar em filmes muito
engraçados", diz Bianchi. Engraçados e, sem dúvida,
provocativos.
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